sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Entrevista - Professor Victor Hugo.

        Conforme combinado na postagem anterior, segue abaixo a entrevista realizada com o Prof. Dr. Victor Hugo Adler, professor do Instituto de Letras da UERJ, ao final da disciplina História da Profissão Docente.

1)      formação acadêmica;
No ensino fundamental fui da 5ª à 8ª série do Colégio Marista São José. O ensino médio cursei no Colégio de Aplicação da UERJ, em um curso experimental chamado de Estudos Sociais (com formação carregada nas disciplinas de Ciências Humanas e Sociais,  História, Sociologia, Economia, Psicologia e Literatura com muita exigência).  Este curso foi extinto no ano seguinte àquele em que me formei (ou seja, me formei em 1968, e após o AI-5, o curso foi extinto e os professores demitidos). Cursei a graduação em Letras (português-literaturas de língua portuguesa), na UFRJ, terminando o curso em 1975.  Depois, fiz Mestrado em Literatura Brasileira na PUC-RJ, terminando em 1981;  Especialização em Literaturas Africanas Lusófonas na Universidade de Rennes II (França), em 1982/1983, lá iniciando um Doutorado que não terminei.  Cursei o Doutorado em Literatura Brasileira na UFRJ, defendendo tese em 1995.
2)      momento de entrada na área da Educação e sua trajetória;
Comecei a lecionar no ensino privado em 1973, na 7ª e 8ª séries e no chamado “colegial” (ensino médio) e também em cursos de vestibular e de preparação a exames de artigo 99.  Eram cursos com grandes turmas no centro da cidade do Rio de Janeiro. Tudo isso, ainda quando terminava o curso de Letras.  Havia trabalhado nos primeiros anos da faculdade em editoras, e pretendia ser tradutor ou trabalhar em editoras, em outras funções (conforme experimentei por uns dois anos).
3)      como o senhor enxerga os alunos de hoje em comparação com o senhor quando era aluno?
Acho difícil comparar.  Tínhamos mais prática de redação, um domínio mais seguro do uso da modalidade culta da língua. Quando digo “tínhamos”, refiro-me ao percentual da sociedade brasileira que tinha acesso à educação formal nas últimas séries do ensino fundamental e médio. Quantos  éramos “nós”?  Houve uma massificação do ensino com perda de qualidade, porque foi feita, no regime militar, com fins estatísticos, de controle comportamental e também de adestramento de mão de obra para funções subalternas. Manteve-se, em uma faixa do ensino privado e em escolas mantidas pelo dinheiro público em especial federais (os “colégios de aplicação” das universidades e o Colégio Pedro II, com altos e baixos temporários, algumas escolas técnicas, principalmente federais). Nestes forma-se uma elite dirigente, pensante ou capaz de ser uma linha de excelência na área técnica. Nos outros colégios públicos, adotou-se a opção (que alguns diretores e professores tentam subverter) de formar mão de obra dócil e barata.
4)      qual a sua opinião em relação aos professores do ensino fundamental e nível médio, tendo em vista o grande número de profissionais que têm se afastado do magistério por conta de problemas relacionados à conduta dos alunos?
Considero que os professores, muitas vezes, têm inicialmente vontade de acertar e exercer dignamente a sua profissão, mas se vêem cercados de situações extremamente adversas:  a violência e a brutalidade reinantes em comunidades periféricas pobres ou de alta classe média (igualmente, segundo minha experiência em escolas privadas de classe média alta muito corrompidas por uma cultura de desdém ao conhecimento). Os salários são irrisórios, em especial se comparados aos de quaisquer outras carreiras de nível superior. As autoridades de ensino privilegiam as estatísticas e tratam com brutalidade e desrespeito os professores. Os meios de comunicação e a opinião pública associam professores a “desvalidos”, fracassados e “otários”...   Nosso último presidente, com curso superior, intelectual reconhecido na academia, FHC, declarou (e guardo em meu arquivo o recorte de jornal noticiando o fato) que quem se mantinha como professor era incapaz, quem era capaz na universidade virava pesquisador... E o tratamento que concedeu ao ensino em todos os níveis correspondeu a essa máxima... Uma declaração dessas era para ter provocado uma paralisação total do ensino, até que a autoridade se retratasse publicamente, mas a maior parte dos professores vive uma baixa auto-estima, provocada pelo próprio desprezo no meio familiar a sua opção profissional. Isso obviamente reflete na atitude dos pais - que podem, por isso, desconfiar dos professores e  desautorizá-los – e de seus filhos crianças e adolescentes – que tratam os professores na medida das representações sociais dominantes. A mudança dessa situação só pode se dar por uma perspectiva que implique uma proposta de atuação construtiva dos professores em projetos mais amplos de transformação social. Pode-se experimentar algum efeito disso em ambientes localizados (uma determinada escola – como já pude experimentar no ensino médio em escola pública do estado no centro do Rio de Janeiro), ou em cursos de formação para uma área específica. Mas uma transformação de alcance mais amplo, a meu ver, só poderá ocorrer com um movimento que envolva outros setores da sociedade num projeto mais amplo. 
  
5)      qual a sua opinião em relação à direfença existente entre a remuneração oferecida aos professores da esfera estadual e federal?
No momento atual, os professores federais têm um salário muito melhor que os de alguns estados, como o Rio de Janeiro e São Paulo, em todos os níveis (nos colégios do estado de ensino médio, que fica a cargo do estado, e nas universidades como a USP e a UNICAMP e a UERJ).  Releve-se que, pela primeira vez, o campus da USP foi invadido pela polícia estadual para reprimir manifestação de professores e estudantes. Isso retrata um tipo de escolha política que citava acima: perspectivas que desprezam a formação escolar ou acadêmica e privilegiam os negócios, a formação de mão de obra submissa e  eficiente para “executar tarefas” docilmente no mundo do trabalho – de governantes medíocres, como o casal Garotinho ou comprometidos com o serviço direto ao mundo empresarial como atualmente os quadros do PSDB.  Acontece que, como tenho observado, esse tipo de perspectiva começa a se revelar limitada para os fins de expansão da indústria e dos negócios que se apresenta como horizonte.  E setores do empresariado começam a questionar publicamente, em debates televisivos, por exemplo, a mediocridade evidente dessas propostas de “ensino barato” e desqualificado...
6)      qual o seu grau de satisfação na profissão?
Como afirmei, no início, não esperava ser professor. Meu pai era médico e também professor.  Um professor de matemática muito querido e que, ao ensinar, obrigava a pensar e indagar sobre os caminhos da compreensão – talvez essa tenha sido uma das lembranças mais positivas associadas a meu pai.  Todos, menos um, de meus quatro irmãos, exerceram o magistério como função principal ou paralela a outras atividades profissionais. Talvez para eles essa imagem tenha influenciado também...  Comecei a dar aulas, em um colégio pequeno, a conselho de meu pai, diante das dificuldades do mercado editorial (alguns colegas da Faculdade de Letras vivem até hoje fora do magistério em outras funções ligadas à área, como eu pretendia).  No entanto, senti no primeiro dia dessas aulas  para melhorar minhas finanças de estudante, senti que tinha encontrado uma função que ia ter sentido em minha vida. Em seguida, os colegas de Faculdade, que encararam sem nenhuma dúvida minha entrada no circuito de cursinhos preparatórios e colégios particulares,  começaram a me oferecer aulas aqui e acolá. Fui-me envolvendo e me preparando, a partir daí, encontrando um novo sentido para estudar e uma nova curiosidade... e, depois, um sentido para participar das lutas sindicais, colaborar na criação do SEPE. Trabalhei mais de 17 anos no ensino médio, depois de uma época, somente em colégios do estado, paralelamente a faculdades particulares (de Letras e de Comunicação).  Sinto que fiz bem em escolher continuar no magistério. È muito gratificante ser professor:  me permite ter contato constante com as mudanças de comportamento das novas gerações, conhecer uma variedade enorme de modos de ser e agir, travar contato com pessoas muito interessantes, enfrentar verdadeiros desafios.  Foi uma escolha muito feliz em minha vida.  È uma profissão que pode ser encarada como uma fonte de vitalidade!    
Reitero o agradecimento ao ilustre professor Victor Hugo Adler.